terça-feira, 15 de setembro de 2009

Algumas reflexões

O que em cada um de nós é pureza, ou organicidade?

O que é genuíno?

O que é sincrético? Misto da convivência cada vez mais acelerada, profunda ou superficial entre culturas diversas?

Quais são os nossos mitos? Os códigos, os princípios que nos mantém unidos?

Quais histórias estamos contando? Quais são os conflitos que sustentam nossa dramaturgia coletiva? Quais são os desafios que nos instigam a construir essas histórias?

Fazendo tantas perguntas, não tão ocupados em achar respostas senão, engajados em repensar nossas vidas e o trabalho que delas emana. Perguntas que nós lançam na fascinante descoberta de novas perguntas e enquanto seguimos por este, muitas vezes árduo mas também prazeroso caminho, vamos construindo nossa história de grupo de teatro de grupo, e entendendo profundamente o dizer do poeta: “o caminho se faz ao caminhar”.

Hoje, na prática, somos um grupo que trilha um caminho próprio, sem se preocupar com o que vão pensar ou dizer sobre nós. Livremente confinados em nosso espaço de criação, nossa sede, estamos ocupados sim em entender cada vez mais o que fazemos, buscando afinar nossa comunicação com o público. Em nosso repertório de espetáculos já podemos destacar o que nos é singular, os códigos comuns que ao longo destes nove anos, sustentam nossa criação cênica.

As várias práticas corporais que exercitamos diariamente são filtradas buscando compreender as suas sutis e infinitas correlações, extraindo assim, o material necessário para fio condutor de nossas histórias, sem que pra isso, sejamos meros repetidores de técnicas absorvidas com desenfreada sofreguidão. A cada dia, estas práticas nos ajudam no entendimento do ser e estar em grupo, com suas delícias e mazelas e também no entendimento deste ser uno, consciente do lugar de encontro entre o mundo interior e o mundo exterior – “O Pouso da alma” segundo Joseph Campbell, ou ainda o retorno a fonte – a consciência plena, o paraíso interior. O trabalho sagrado do ator poderá proporcionar a cada um de nós tudo isso?

De minha parte, percebo que enquanto a preocupação com o fazer bonito prevalecer, herança talvez da forma como absorvi a dança clássica ou de minha carência transfigurada na necessidade de agradar, estarei impedida de realizar a viagem mítica e retornar trazendo à tona a experiência dela advinda para compartilhar.

O Estudo do livro “O Poder do Mito” de Joseph Campbell nos ajuda há compreender um pouco mais sobre a dimensão mítica dos espetáculos “O Banho” e “A-Corda”, calcadas no ser e estar do homem no mundo. Nós ajuda também a perceber o quanto ainda podemos descobrir e conseqüentemente comunicar sobre a sacralização de nosso trabalho e as experiências míticas que podemos suscitar, através de nossos personagens, alcançando o tão almejado ritual.

Se o sagrado é o inteiro, buscamos então a unificação do sagrado em nosso grupo onde cada um traz uma bagagem cultural diversa, precisando comungar de um mesmo ritual, para se sentir parte imprescindível desse grupo. Buscamos ainda em nosso ofício, ser como sacerdotes fazendo do ritual, um hábito e não uma obrigação a ser cumprida.

Ainda inspirados no poder do mito iniciamos mais uma empreitada na construção de uma nova dramaturgia dirigida ao público adulto, denominada “Sobreviver”. As ambigüidades de luz e sombra, bem e mal, céu e inferno, paraíso e purgatório, devaneio e lucidez, viver e morrer servirão de ponto de partida desencadeando os possíveis conflitos.

Mitos como o da criação do homem, comuns a todas as culturas, serão referência quando pensamos nas histórias que criamos para sobreviver, para superar nossas dores e principalmente, para transformar nossa realidade. A vida que se alimenta da morte, que surge a partir da morte, nós abre uma maior possibilidade de compreensão do real significado de estar vivo e das diversas mortes que vão nos acontecendo ao longo de nossas vidas, permitindo assim, a nossa sobrevivência. Então compreendemos que para sobreviver temos que matar.

O Tema sobreviver nós oferece amplas possibilidades e neste início de processo, os pontos de partida começam a salpicar nossa imaginação, causando um frisson prazeroso, nutrindo o nosso desejo de escarafunchar ao máximo, criando diversos caminhos que aos poucos vão se inter relacionando para dar início a elaboração de um pré roteiro. Assim, temas como o de pessoas que lutam pela sobrevivência, quando diante de grandes catástrofes naturais ou mesmo, de outras que lutam e convivem diariamente com a morte, acometidas por graves enfermidades ou ainda, a reflexão sobre questões como as diferentes realidades de cada camada de nossa sociedade, habitando em um mesmo espaço urbano, nos põe em contato com estas lacunas onde o que é gravíssimo pra um pode ser uma banalidade para o outro, nos fazendo crer que estar vivo, independente de seu poder aquisitivo, político ou religioso, é igualmente penoso a cada um de nós e estar vivo é necessariamente sobreviver ou vice e versa.

Qual história vamos contar através deste “Sobreviver”? Certamente, mais uma dolorosa empreitada sulcada em nossa existência. Posso afirmar que o aprofundamento sobre o fazer dramatúrgico através de estudos e reflexões, começa a fazer sentido apontando a importância de conflitos claros para a construção da narrativa e o efetivo interesse da platéia pela história que estamos contando.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Sobrevivendo na rua...

Durante nosso encontro de segunda, dia 24, mais uma vez as conexões acontecem de forma espontanea, parece...

Desta vez, encontrei a conexão entre o ser estrangeiro (ainda e sempre) sobrevivente, sobrevivendo de alguma maneira através da arte. Pessoas que, por diversos motivos, se afastam da sua cultura, língua e país e se mantém ligados, pela arte, provocando, pensando e sobrevivendo de seu movimento criador.

Confesso que para mim é um desafio abrir mais uma porta de comunicação, que é esta aqui, a de ler e escrever num blog sobre o pensamento artístico... então tenho que sobreviver nessa nova era "internética". E pronto.

O projeto "Sobreviver" caiu como uma luva

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Sobrevoar Musical

Não, não errei de projeto... rs

Desde o início de 2008 temos trabalhado juntos semanalmente com a oficina de música.
O desafio é grande, mas a recompensa tem sido ainda maior.
Vimos fazendo nesse tempo um verdadedeiro "sobrevoar musical". Nele, nós temos avistado, e também experimentado, o máximo que nossas vidas aterefadas permitem e que o universo da música pode oferecer, não só ao profissional de arte, mas ao ser humano.

Planar pela Música do Mundo é uma das vertentes - mergulhar em sua musicalidade diversa e na sua riqueza fonética visa o acréscimo no repertório expressivo de cada um de nós.
Cantar é um presente maravilhoso que ganhamos. Deslumbrar-se com o canto que se ouve dentro e fora de si é um direito nosso. Por isso, todos cantam. Todos podem cantar bem - desde que ouçam, avaliem e modelem o seu próprio som com base nas técnicas que temos conhecido. Então, trabalha-se o ouvir.
Construir um instrumento musical único é tão importante quanto aprender a tocar um instrumento consagrado. Do seu instrumento, o construtor é o mestre e o detentor da melhor performance - caminho aberto para a liberdade de expressão.
Caminho aberto também para a imaginação no incentivo que damos à composição.
Chamei de "sobrevoar musical" pois é realmente um passeio pela música. Passeio no qual vamos coletando e guardando em nossa mochila tudo o que é possível. E pelo visto até então, muito de colheu neste caminho, embora haja ainda muito espaço na bagagem - um espaço do tamanho e da vontade e do talento de cada um dos integrantes da equipe.
Tudo que agregamos nesta viagem musical é também instrumento de trabalho. Para que nos tornemos pessoas mais humanas. Para que nos tornemos artistas melhores. Para que possamos, na arte e da arte, SOBREVIVER.

INÍCIO DA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA OBRA

Viver é sempre um tema nosso. Mas, ultimamente, sobreviver tem sido mais urgente. Instigada, ou melhor, provocada pelo amigo Val Salles, começamos a ir mais fundo nesta proposta.

Ao lado, em nossos grupos de estudos, Joseph Campbell, através de seus estudos acerca dos mitos, em especial, os mitos de criação, começou a amparar nossas inquietações e questionamentos. E são muitos. Observações das nossas vidas cotidianas, de nossos amigos...Enfim, será que viver é melhor que sonhar? Mesmo não tendo respostas, vamos construindo nossa trajetória através das artes.

Em mais um novo começo, arriscamos alguns pontos de partida.


O que queremos?

Quanto ao tema:

Propondo “Sobreviver” enquanto tema/ponto de partida, pretendemos aprofundar a reflexão sobre nossa existência na contemporaneidade, diante das dores e conflitos existenciais que nos deprimem e ao mesmo tempo nos empurram para a própria vida. A que ou em que precisamos nos sustentar para nos fortalecer a suplantar as adversidades físicas, materiais, éticas e emocionais encontradas na trajetória da existência humana? Quais os novos mitos produzidos ou possibilidades de produções de novos mitos que nos ajudem a metaforizar nossa condição existencial contemporânea, como forma de auto-conhecimento, que sustentem e justifiquem o nosso papel em nossa sociedade e mais amplamente, no universo, como sujeito de uma trama cosmogônica?
Quanto à proposta estética:
A possibilidade de produzir um espetáculo teatral para um espaço não convencional de teatro como o Novelas Curitibanas abre espaço para investigações estéticas inusitadas que podem enriquecer não só a cultura local, bem como à sociedade que terá acesso a novas formas e visões de expressões artísticas. Para fecundar esta busca, utilizaremos da somatória de variadas fontes de experiências e conhecimentos:
A Primigenia Teatral de Wal Mayans, artista estrangeiro que traz em sua bagagem o conhecimento desdobrado a partir da antropologia teatral de Eugênio Barba. Ter a oportunidade de viabilizar o encontro com um importante artista que detém informações, experiências e tecnologias, das quais não temos constante acesso é uma forma de poder ampliar visões e enriquecer a produção artística local.
Da mesma forma, a utilização da prática da arte marcial de espada longa, o Ninpo Taijutsu e Combate de Teatro, orientada pelo inglês radicado no Brasil Malcolm Clark, terá importante papel na concepção estética que este tema sugere. O ato marcial da luta: um ataca, outro defende, matar para viver, a dança eterna e harmoniosa da humanidade ao longo da sua peregrinação na vida.
A pesquisa prática que desenvolve as percepções e habilidades do ator, denominada Espaço, Corpo e Som, orientada pela artista curitibana Eliane Campelli, é praticada pelos participantes da Abração Filmes, desde a sua origem e seus resultados são visíveis em todas as suas produções, desencadeando uma estética autêntica e original, verificada na utilização de sons produzidos pelos atores dentro da dramaturgia.
No suporte e na somatória desta pesquisa, faz-se necessário também o estudo específico da utilização dos recursos vocais do elenco de atores/criadores, orientados, aqui, por Alysson Siqueira, profissional que desenvolve este suporte à Abração Filmes, de forma continuada há dois anos, o que garante uma solidez e eficiência dos resultados, em contraposição ao que se observa em trabalhos pontuais.
Não menos importante, o estudo do desenho de luz, que nasça e se desenvolva junto com todo o processo de criação, proposto por Anriaider, cujo trabalho, pensamentos e discussões a respeito do fazer teatral e estética da Abração Filmes vêm sendo traçados desde as suas primeiras produções.
Os estudos da sociologia e da antropologia também vêm respaldando a Abração Filmes em sua busca na construção de novas dramaturgias, para uma produção sólida e que efetivamente contribua para a reflexão de uma sociedade. É dizer, a criação de novas metáforas e territórios simbólicos que respondam às necessidades sociais contemporâneas.

Qual o diferencial da nossa proposta?

A confluência de pesquisas autênticas como as oficinas continuadas acima descritas, que apenas e tão somente são encontradas na prática do fazer teatral da Abração Filmes e que propiciam o fortalecimento da cultura da produção em grupo, em continuidade. O resultado será uma obra tratada, não como mero produto de consumo, mas sim como obra de arte de repertório e em constante revisitação.
Da forma como se propõem as estratégias para a confecção da obra em questão, percebe-se o conjunto que agrega um número amplo e expressivo de profissionais envolvidos, altamente capacitados, que serão beneficiados por este subsídio público e que poderão exercitar suas profissões em benefício da sociedade, garantindo um produto cultural eregido sob as égides da responsabilidade para com o mesmo e conseqüentemente, para com a sociedade.
Observa-se, no mundo todo, a preocupação com a necessidade de produção de novas dramaturgias. Há uma urgência em se promover e incentivar o aparecimento e a divulgação de novos autores, para que a história de nossa sociedade seja escrita de modo que reflita a contemporaneidade. Desta forma, este projeto que pretende investigar as inquietações humanas, contextualizadas em situações atuais e expressadas sob olhares artísticos contemporâneos, encontra aqui um diferencial que atende à demanda de uma renovação cultural.
Olhar um tema amplo e universal, sob um recorte social específico, contemporâneo e concreto, é dizer, tratar a existência humana, seus mistérios desencadeadores de questionamentos, desde os primórdios das civilizações e contextualizá-los em uma situação contemporânea emergente e que urge ser revisitada para compreendermos nossas vidas nos dias atuais. Ao nos inspirarmos em um grupo social em risco, cuja experiência de sobreviver está amplificada, faz refletirmos diante de nossas mazelas e pequenezas humanas e quiçá nos auxilie a transpô-las com mais dignidade e coragem, apontando para a necessidade premente da construção de um mundo solidário que reconstitua a dualidade de opostos a um uno primordial.